"BRAHMA - ZECA PAGODINHO"
Mês/Ano Julgamento: JUNHO/2004
Representação nº: 72/04, em recurso ordinário
Autor(a): Primo Schincariol e Fischer América
Anunciante: Anunciante e agência: Brahma e África
Relator(a): Ênio Basílio Rodrigues e José Francisco Queiróz
Decisão: sustação
Fundamentos: Artigos 3º, 5º, 6º, 17, 43 e 50, letra c do Código
Resumo: Filme para a TV da Brahma, criado pela agência África, mostrava o cantor Zeca Pagodinho interpretando samba. Um dos versos dizia:

Fui provar outro sabor, eu sei

Mas não largo me amor, voltei.

O filme provocou protestos da Schincariol e sua agência, Fischer América, e atraiu grande atenção da imprensa pois Zeca Pagodinha havia estrelado meses antes a campanha de relançamento da cerveja Schincariol, onde era convencido a experimentar o novo produto e o aprovava. Como no verso citado, entre outros de teor semelhante, o filme da Brahma sugere que tudo não passou de um "amor de verão".

Em sua denúncia ao Conar, as autoras argumentaram que o anúncio da Brahma não teve o propósito de esclarecer ao consumidor mas "tão somente, denegrir a marca e o produto Schincariol, em verdadeiro ato de pirataria, aproveitando-se da imagem do seu ícone, Zeca Pagodinho". Schincariol e Fischer América aduzem manter com o cantor contrato de exclusividade, devidamente anexado à denúncia, e que não permite que Zeca consuma em público cervejas de outras marcas. Anunciante e agência pedem o enquadramento do filme da Brahma em oito artigos do Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, com solicitação de sustação liminar.

Esta foi negada pelo relator do processo, que considerou preliminarmente os termos do filme dentro dos limites da propaganda comparativa. Quanto à conformidade do uso da imagem de Zeca Pagodinho no filme da Brahma, o relator considerou a questão além dos limites do Código.

Dias mais tarde, a Brahma passou a veicular um novo filme, onde pessoas entrevistadas na rua, comentando o depoimento de Zeca Pagodinho, o aprovam. Para Schincariol e Fischer América, o filme repetiu os vícios alegados anteriormente.

Anunciante e agência enviaram defesas separadas ao Conar. A da África alega, entre outras considerações, que o caso, em sua essência, versa sobre o rompimento unilateral do contrato entre Zeca Pagodinho e a Schincariol e a Fischer América e que teria sido motivado por um desconforto do cantor em relação a certas promessas que lhe teriam sido feitas, ainda que não constassem do contrato. Alude ainda a defesa a uma conhecida preferência do cantor pela cerveja Brahma, que consumiria habitualmente. Assim, para a África, a questão não é ética mas de exclusiva natureza jurídica, já que o contrato possui cláusulas de rescisão, com estipulação detalhada das penalidades a que se sujeitaria o infrator.

A Ambev, fabricante da cerveja Brahma, em sua defesa, considera que a denúncia da concorrente "não consegue apontar, objetivamente, quais as ocorrências do anúncio que efetivamente afrontaram as normas éticas".

A defesa nega haver nos filmes propaganda comparativa, concorrência desleal, denegrimento ou apelo a marcas de terceiros. "Torna-se até difícil formular a presente defesa, tendo em vista que a queixa não indica precisamente os fatos que caracterizaram as infrações apontadas".

Em primeira instância, o relator propôs a sustação do filme. Para ele, o caso é exemplar e merece reflexões dos anunciantes e publicitários sobre as táticas para buscar vender muito e cada vez mais e de se tentar não vencer a concorrência mas sim arrasa-la e, com isso, obter-se uma conquista territorial na base da pedra sobre pedra, tudo isso em nome de um avanço nos gráficos dos relatórios de vendas.

O relator lembrou que o Código de Ética do Conar sempre teve por foco o anúncio e que a denúncia que fundamentou o processo trouxe um clamor que, embora veemente, não materializava as infrações ao Código que estariam contidas na publicidade. "Não que a publicidade restasse inocente", escreveu o relator, "mas as imputações contra ela foram disparadas por um grande canhão mas que deixaram ileso o anúncio-alvo. Naquele momento, as requerentes cobravam do Conar uma ação sobre a qual tem um controle normativo inteiramente abstrato. Basta lembrar do conteúdo do anúncio contestado: um personagem testemunhal, utilizado para elogiar uma marca de cerveja através de uma publicidade em TV, professa mea culpa em nova publicidade, desta vez declarando-se fiel à marca concorrente. Vale dizer que o personagem testemunhal desempenha esse desmentido sem nenhuma alusão direta à marca que abandonou valendo-se para isso do simbolismo e das metáforas típicas do gênero musical que compõe e canta".

Ele entendeu que o filme não infringiu o artigo 32 do Código, que versa sobre propaganda comparativa, e todo o restante da denúncia formulada por Schincariol e Fischer América cobrava do Conar uma ação normativa não pertinente à legislação do Código de Ética. "É preciso que fique evidente que o Conar não legisla sobre matérias referentes à administração e gestão das atividades de propaganda e marketing exercidas por anunciantes e agências. Aliás, felizmente o Conar não vai além das sandálias", escreveu o relator. "Mesmo com os excelentes advogados que fazem parte da Câmara de Ética, creio que nem estes estariam instrumentados para julgar este contrato e vincular sua análise aos preceitos do Código".

"No mais", prossegue o relator, "a denúncia peca pelo apelo ao maniqueísmo. O fato de cada um de nós ter a sua opinião e interpretação pessoal sobre comportamentos profissionais não pode se sobrepor à dependência do conselheiro à letra e ao espírito do Código de Ética. Se há, como foi escrito na denúncia, ´piratas modernos da propaganda´, isso foge ao anúncio, da mesma forma que outros eventuais vilões de bastidores".

Estes foram os fundamentos que levaram o relator à negativa de concessão de liminar do anúncio.

"A interrupção de veiculação do anúncio por decisão judicial" vai adiante o relator, "não impediu e até fortaleceu um grande interesse público e um amplo e generalizado debate popular sobre os conceitos emitidos na publicidade e, principalmente, sobre o comportamento, a idoneidade, o perfil psico-social e a própria ética do personagem-testemunhal, aliás batizada por ele como ética de Xerém".

Para o relator, a partir do momento em que Zeca Pagodinho passou a explicar, publicamente, seu comportamento em relação ao anúncio, ao consumo de cerveja em anúncios, ao porquê da sua migração para outro produto, além de outras experiências comportamentais associadas à cerveja e aos negócios, a questão passou a ser absolutamente pertinente ao anúncio e, portanto, com méritos a serem analisados sob o prisma do Código de Ética. "O personagem-testemunha é o anúncio vivo e suas atitudes provocaram uma espécie de reação química no anúncio, gerando um nutriente maligno que transformou o arranhão em um tumor. Tais manifestações do personagem-testemunha, aliadas às manifestações das cervejarias em conflito e suas agências lançaram para o debate público o julgamento ético da atividade publicitária e de como anúncios são utilizados para difusão de propostas irresponsáveis. Disse o inefável artista em uma das suas entrevistas: ´Para mim, o que existe é a ética d Xerém (...)´. Tal visão ética é exemplificada em outras entrevistas, quando declara por exemplo que, em comercial anterior, fingia que bebia Schin, quando na realidade havia Brahma no seu copo. Ou, que só elogiou a cerveja das requerentes, no passado, ´porque os caras me infernizaram dia e noite... diziam que bastava experimentar...´. É impossível dissociar-se tais comentários do anúncio, tal como foi veiculado aos consumidores. E as justificativas de tal falsificação ideológica estão provocando nos consumidores - como estamos observando atualmente - muitas reações de apoio sarcástico, da assumida valorização do "tudo por dinheiro", do quanto pior melhor".

"A escolha do personagem-testemunha", prossegue o relator de primeira instância, "acabou também por fazer do anúncio um instrumento de irresponsabilidade na propaganda de bebidas alcoólicas. Agora sabemos - por declarações do próprio e por informações jornalísticas não contestadas - tratar-se de um alcoólatra, que corre risco de vida se não parar de beber. ´Quando eu morava em Xerém, começava a beber tipo 6 da manhã. Agora acordo mais tarde, então começo mais tarde´. Afirma que tem um inchaço no fígado e que recebe apelos médicos para parar de beber. E, ainda, dá um infeliz exemplo de comportamento familiar em relação ao consumo de álcool, inclusive de acentuada ilegalidade, quando diz: ´às vezes eu brinco com meu menor, falo para ele dar um tapa na cerveja´.

Para o relator, Brahma e África não podem alegar falta de conexão entre o artista que escolheram como personagem-testemunha do anúncio e o personagem da vida real. "O Código é explícito em seu Anexo Q, que diz: O Anunciante que recorrer ao testemunhal de pessoa famosa deverá, sob pena de ver-se privado da presunção de boa-fé, ter presente a sua responsabilidade para com o público".

Seu voto foi aprovado por unanimidade pela 1a Câmara do Conselho de Ética.

Brahma e África recorreram da decisão repisando argumentos apresentados em sua defesa de primeira instância. O relator do recurso ordinário votou pela manutenção da decisão inicial.

Ele justificou seu voto, entre outro motivos, por considerar de todo inadequada a forma como foi feita a "rescisão" - um filme publicitário - do contrato celebrado entre a Schincariol e sua agência e Zeca Pagodinho. "Contratos são feitos para protegerem os envolvidos e prevêem rescisões e multas", escreveu ele em seu voto.

O relator baseou-se também no impacto provável do filme sobre o consumidor, como previsto no artigo 17 do Código ético-publicitário. "A Brahma pode ter tido a intenção de vender seu produto. Mas às custas de um prejuízo ético para a Nova Schin".

O seu voto foi acolhido por unanimidade pela Câmara Especial de Recursos.