ALLEZIA MÓVEIS
Mês/Ano Julgamento: MARÇO/2017
Representação nº: 302/16
Autor(a): Grupo de consumidores
Anunciante: Móveis Alezzia
Relator(a): Conselheira Carla Simas
Câmara: Terceira Câmara
Decisão: Sustação
Fundamentos: Artigos 1º, 3º, 6º, 19, 20 e 50, letra "c", do Código
Resumo: O Conar recebeu centenas de reclamações contra publicidade em mídia social e site de fabricante de móveis, nas quais as peças são fotografadas sempre ao lado de modelo feminina nua ou seminua. Para as denunciantes, há clara objetificação do corpo da mulher e exposição de nudez de maneira totalmente descontextualizada. Vários consumidores denunciaram também que a Palmetal, tomando conhecimento das opiniões contrárias à sua comunicação comercial, lançou um "desafio" segundo o qual a empresa se comprometeria a fazer doações a entidade assistencial caso se constatasse o aumento de avaliações positivas de sua página em mídia social.
Apesar da citação regular, não houve manifestação por parte da anunciante.
A relatora propôs a sustação. Escreveu ela em seu voto: "Tendo participado de dezenas de julgamentos dessa Corte, sou testemunha do extremo cuidado com que os Conselheiros tratam a questão da influência da subjetividade na análise das peças publicitárias. Nesse passo, é frequentemente lembrado durante as sessões de julgamento que a má qualidade de uma peça publicitária ou, ainda, eventual opinião sobre sua adequação estética ou mercadológica não deve ser levada em consideração, devendo os julgadores aterem-se a critérios estabelecidos pelo Código de Ética para analisar qualquer publicidade".
Foi adiante a relatora: "Concordo totalmente que opiniões particulares e subjetivas sobre os anúncios analisados devam ser evitados. Não obstante, peço a devida licença aos meus pares Conselheiros e à Diretoria do Conar para externar que a análise do caso me causou espanto. Para ser mais clara, fiquei absolutamente chocada com a total falta de tato da Anunciante ao lidar com os consumidores e com o público em geral. A divulgação da marca e dos produtos me parece seguir uma estratégia de comunicação equivocada e desrespeitosa e realmente é difícil entender qual o objetivo mercadológico de tamanha agressividade".
A seguir, a relatora passou a analisar o objeto deste processo ético. Ela o enquadrou nos artigos 1º (respeitabilidade), 3º (responsabilidade do anunciante), 6º (consonância com educação e cultura nacional), 19 (respeito à dignidade da pessoa humana) e 20 (coibição a qualquer tipo de ofensa). "Considero que todos os artigos citados foram desrespeitados pela Anunciante. Concordo com os consumidores queixosos que as imagens de mulheres nuas e em poses sensuais estão mostradas de maneira descontextualizada. Em outras palavras, não há nenhuma ligação entre tais imagens e os atributos do produto. Ao contrário, os textos que acompanham as imagens comunicam claramente a intenção deliberada de mostrar mulheres bonitas, de maneira que não há a menor dúvida de que a intenção é chamar a atenção para os móveis anunciados através de imagens insinuantes de mulheres", escreveu a relatora.
Para ela, cabe uma reflexão sobre essa desconexão entre as imagens femininas e o produto anunciado, "visando concluir se a mesma transgride os valores e padrões éticos estabelecidos no Código. Tal reflexão pressupõe necessariamente o enfrentamento da questão da chamada 'objetivação'. A definição filosófica de tal palavra nos traz a noção de que se trata do processo através do qual o espírito humano experimenta uma alienação de sua real natureza subjetiva, projetando-se em objetos e construindo a realidade externa. Tal definição tem sido aplicada atualmente para descrever um comportamento segundo o qual características físicas femininas são sobrepostas a todos os demais atributos da mulher, de maneira a resumir sua existência à função estética de agradar aos homens, muitas vezes com uma forte conotação sexual. Esse é o conceito de objetivação que me parece aplicável ao anúncio ora analisado. Trata-se de uma definição cultural, ou seja, não se trata da discussão da existência ou não da atração física exercida pela mulher sobre o homem, mas sim da apropriação de tal fator biológico para exploração comercial".
"Nesse sentido", prosseguiu a relatora, "é grande a responsabilidade dos anunciantes ao garantirem que os padrões culturais atuais sejam seguidos, padrões esses reiteradamente manifestados por parte significativa das mulheres que claramente não querem mais ser identificadas e valorizadas apenas por sua aparência. Esse é um fator cultural importante que deve ser protegido, sob pena de se impedir a proliferação de valores importantes reiteradamente manifestados pelas mulheres na sociedade atual".
Segundo a relatora, além das imagens e textos dos anúncios, a frase "Beleza interior são os nossos móveis na sua casa" demonstra claramente a intenção da anunciante de objetivação da mulher. "A frase traz, em si, a ideia de que mulheres servem para ser bonitas e enfeitar, assim como móveis bonitos servem para enfeitar um ambiente. A tolerância com a divulgação desse tipo de ideia levaria a um engessamento cultural, ou seja, a perpetuação de valores que não são mais tolerados na sociedade atual. A prova disso está na quantidade de manifestações contrárias aos anúncios que embasaram essa Representação".
A relatora se disse convicta de que os anúncios ferem os artigos do Código. "A objetivação da mulher é desrespeitosa e seu incentivo demonstra total falta de responsabilidade do anunciante, que desconsidera valores culturais importantes. Além disso, os anúncios são ofensivos e ferem a dignidade feminina". Seu voto, pela sustação, foi aceito por unanimidade.